Triunfo de Vênus, de François Boucher. Esta é uma pintura que pode ser perfeitamente interpretada como a queda do Zodíaco, como a queda das potências celestes no contexto da corte de Luís XV — o rei galicano de uma corte regida pelas aparências. É uma imagem da sucção ansiosa de Saturno, da tentativa desesperada de efetivar no tempo aquilo que pertence à eternidade.
A Criação de Adão, de Michelangelo: Michelangelo é o pintor dos tetos, o pintor do céu, e dentre suas mais famosas obras, esta é a que a melhor representa o ato infinitamente piedosa do criador para com a criatura, o toque ativo de Deus e a recepção passiva da matéria, um momento encapsulado em infinita expansão horizontal, que abarca, com a amplitude do Céu, tudo que caminha sobre a terra.
A imagem do tempo incrustada em nossa alma e a experiência do tempo através da peregrinação são duas das caracterizações possíveis do sentido simbólico profundo de Saturno e Júpiter. Este mesmo complexo simbólico pode ser diretamente referido à relação entre o Mar e o Céu, como cantada por Pessoa:
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
— Mar Português
Essa é uma relação que pode ser imediatamente aferida numa contemplação mais detida dos glifos tradicionais de cada um destes planetas. Ambos os símbolos se perfazem numa composição da Cruz com a Lua, mas com uma diferença fundamental quanto a seu vértice: a Lua em Saturno puxa para baixo (♄), ao contrário de Júpiter, onde estende seus braços (♃). Existe aí uma diferença fundamental em suas distribuições de peso: no primeiro, a graça da potência; no segundo, o peso do ato.
A Lua é o símbolo do vir a ser, do ciclo de geração e corrupção; é o símbolo astrológico da vida. Vista embaixo, em Saturno, torna-se um testemunho imediato do peso da alma, da experiência do abismo. Uma das alegorias mais tradicionais de Saturno é o oceano, imagem mundana de nossas almas. "Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu": temos aqui uma perfeita imagem ambivalente da alma, que atua como um espelho de potências, refletindo em si tanto o estímulo das tempestades quanto a paz do céu.
Saturno está ligado ao peso da experiência individual, à imposição do imediato. Refletimos a imagem da ordem cósmica Saturnina em nossas almas por meio da contemplação dos astros: não se trata de uma experiência, mas da assimilação da concretude cósmica, de uma assimilação imediata das coisas. Esta assimilação é de natureza realista, concreta, inteligível. Saturno é um símbolo da inteligência epistêmica, do conhecimento concreto do mundo. Assimilamos a realidade em nós, mas a realidade pesa. Saturno é lento e denso. Esta é a densidade do chumbo, que atua em nossos corpos como um veneno paralisante.
Esta paralisia ocorre pela impossibilidade de assimilar o tempo intelectualmente, de resolver os problemas do real pela via do conhecimento. A assimilação de um conhecimento estático não necessariamente cria soluções que se perfazem no tempo: Saturno representa a stasis, apesar de ser também o produtor das coisas do tempo, o agricultor. Esta stasis, fora do campo científico, manifesta-se por meio de uma ansiedade angustiante. A contemplação de hipóteses salvíficas, de soluções engenhosas e definitivas para o problema do real se torna amiúde uma solução analgésica, um tetrapharmakos. O realismo da psicologia Saturnina torna o nativo cego para a limitação do seu campo de visão.
Saturno é o planeta que melhor reflete a inteligência, o rigor científico. As grandes inteligências se beneficiam de qualidades saturninas. Mas o peso realista dos problemas não serve aos problemas da existência, aos problemas do moto, daquilo que é dinâmico, que está em constante mutação. O peso saturnino modifica nosso tempo interior, e tenta romper imediatamente a distância entre a imagem de uma potência, ou de uma hipótese, e a realidade de um ato. Mas não somos capazes de sintonizar nossas vidas com a ordem cósmica por meio do intelecto. É necessário que cultivemos tal propriedade na serenidade do hábito, na peregrinação da alma por meio do ato piedoso, que é a essência da ruptura com o eu e o encontro com o outro, no qual nos esquecemos de nós. Esta é a essência da piedade de Júpiter, a expansão do eixo horizontal da realidade.
Pela assimilação do hábito, pela ação piedosa, entendemos com naturalidade as distinções da qualidade do tempo. Deus pinta o céu diariamente com suas nuvens, imagens das potências que assimilamos como um paisagismo celeste. Aprende-se a viver observando o céu, da mesma forma que se aprende a viver observando as oscilações cotidianas no caráter do outro e do mundo ao nosso redor. Assimilamos essa constante mutação por meio da piedade, que representa tanto a nossa capacidade de comoção quanto de expansão: o céu é a imagem do ilimitado, da paisagem que abarca todas as potências possíveis, todas as vidas possíveis. Refletida de forma límpida e cristalina em nosso interior, em nosso abismo, compreendemos a necessidade de uma eterna atualização do dia, de uma eterna peregrinação. Superamos a stasis de Saturno, a cristalização de imagens, o desejo obsessivo pela Era de Ouro por meio da expansão de nossas possibilidades, pela transmigração constante dos desejos em prol do desejo de um milagre, de algo que não pertence a esse mundo. A superação do realismo de Saturno se perfaz na assimilação do sublime jovial, da expansão horizontal ilimitada do teto da Capela Sistina, em que assistimos à passiva atitude da matéria de Adão numa contida espera pela atualização ativa da potência por meio da ação de Deus Pai.