I. A Narrativa do Esplendor
O esplendor não se deixa facilmente definir, tocar, intuir, articular, e muito menos inteligir. É algo que tanto excede a circunferência de nossos sentidos quanto petrifica e extasia nossa arquitetura mental. De certa maneira, é como o sol do meio-dia, em toda sua pluripotencialidade vivificante e incendiária, benfazeja e maléfica. Por si só, poder-se-ia encará-lo como o vislumbre das potências sagradas presentes no cosmo e no sublime visível que irradia da criação, no imanente, pois encarar o conceito de sublime per se, neste caso, sem traçar-lhe as genealogias místicas e ritualísticas cabíveis, seria necessariamente uma alienação romântica de sua significação histórica.
Tentam os intelectuais radicalmente secularizados dar-lhe um nome: chamam-lhe de romantismo, de abismo, de absoluto. Tentam os artistas, por outro lado, sem a pretensão de definí-lo, tomá-lo como o eixo da realidade, o princípio e o fim de todas as coisas, como numa atitude que tende mais à aproximação do que à posse. Nas palavras do professor Orlando Fedeli, teria esta busca como fim a obtenção do "conhecimento do incognoscível", um dos mais cobiçados desideratos românticos. Esta definição é, no entanto, insuficiente.
Pois é na superabundância de insuficiência que rastejam os românticos. Seriam a ausência, a lacuna, o oco, a insatisfação... Tratar-se-iam todos estes termos de descritores mais ou menos eficazes daquele que é de fato o conceito da essência da psicologia romântica. E sua fulgurante e desmedida manifestação, como o brilho ofuscante de uma nova, ou mesmo como a própria essência do já aludido sol do meio-dia — muito semelhante à de um combustus astrológico — também se afigura como parte de sua natureza. Mas dela jamais chega muito perto o romântico, sob o risco de pôr fim à própria busca, sendo a busca ela mesma, a mobilização, a travessia na tempestade, a inquietação e o nervosismo... Em suma, poder-se-ia dizer que, de certa maneira, todos estes descritores, semelhantes enquanto esforços definidores de uma patologia, de uma nervosidade intermitente, ainda que não sirvam de definições exaustivas da ação romântica, indicariam, ao menos, alguns dos contornos da natureza errante e do perigoso flerte com o não-ser tão típicos dessa mentalidade. Se não é a busca incessante o próprio desiderato, seria, pra dizer o mínimo, a expressão mais natural e inalienável da ação romântica.
Se a natureza deste abismo na alma está intimamente ligada ao próprio movimento de queda livre, da atitude do Le Mat do Tarot, percebe-se o seguinte: que há um desvio da psicologia romântica em relação aos verdadeiros caminhos da graça, que presumem a incorporação ritualística para a purificação eventual do ser. Presumem então que o abismo da alma se torne o límpido reflexo da imagem de Deus no céu. Sendo o romantismo um caso especial de alienação, é natural constatar que a psicologia romântica predica, como uma de suas possibilidades, a ação de um criador que não vê analogia na própria criação, ou de um parente que não vê analogia com seus próprios filhos.
Em outras palavras, o imenso precipício da alma de um poeta atormentado pelo romantismo pode não entender bem as etapas necessárias para a obtenção desse esplendor. Esse saltus não passou despercebido aos românticos, muito inteligentes, tendo muitos deles, na desesperada tentativa de superar a lacuna que jaz disposta entre o abismo e a luz, entre o possível e o impossível, entre aquele que é o objeto último de desejo e a própria "infinita subjetividade", a incorporação cada vez mais compulsiva de heresias e de iniciações alternativas. Não é do propósito deste texto examinar a complexidade das premissas que se seguem destas considerações, mas é importante esclarecer bem que o panorama da psicologia romântica configura uma alienação, uma coincidentia oppositorum que resplandece sobre as fundações carcomidas de uma contradição fundamental, necessariamente intransponível. Este é o cenário que descreve a psicologia de Haruhi Suzumiya e das metáforas literárias construídas por Nagaru Tanigawa, seu autor.
II. Haruhi Suzumiya, Nagato Yuki e a superação do despeito poético de Nagaru Tanigawa
A análise que se segue é pertinente aos eventos adaptados na animação oficial de Suzumiya Haruhi, produzida pela Kyoto Animation entre 2006 e 2010.
Certa feita, em uma entrevista feita num questionário de Light Novels com o então editor de Tanigawa, Arata Ueno, pediram-lhe uma descrição do perfil dos artistas por trás de "Haruhi Suzumiya", Nagaru Tanigawa (roteirista) e Ito Noizi (ilustradora). A parte da resposta que nos interessa é o seguinte trecho:
"Tanigawa-sensei é extremamente taciturno e culto. Ele provavelmente tem um disco rígido de alta capacidade na cabeça, com memória e CPU sempre funcionando a toda velocidade. As palavras que ele produz são sempre concisas e precisas."
Não derivo as reflexões a seguir a partir da prova: ao contrário, tendo já intuído o elemento de "eu poético" como parte da natureza ensaística de seu trabalho, apenas pude confirmar minhas suspeitas quanto à natureza profunda de Tanigawa. Pois não escapa aos olhares mais atentos a função narrativa de Nagato Yuki na obra em questão, sendo a personagem quase que um perfeito espelho da psicologia do autor. Melancólica em sentido clássico, Nagato é o elemento neurótico por excelência da narrativa, encarnada por uma figura do mundo supralunar, uma alienígena, que participa da entidade que chamam de Mente Suprema dos Dados, uma entidade (ou facção) responsável pela intelligentsia do mundo ficcional de Haruhi — ainda que de forma inteiramente alienada, já que não dão boas explicações para a natureza deste mundo as entidades cósmicas da série. Tratam-se elas mesmas de contrafactuais metaficcionais.
Em outras palavras, Nagato Yuki constitui uma metáfora metaficcional para a dimensão "literária" deste universo. Talvez fosse mais próprio dizer, na verdade, que a metáfora ficcional a que se refere a personagem-símbolo seja a da mercurialidade e do roteiro, já que a dimensão literária contém, na própria arquitetura, todos os lados do quadrado, todas as dimensões substanciais de um drama, e não somente uma parte. Yuki é parte do projeto, a parte referen à metáfora dos dados e de tudo aquilo relacionado às primeiras dimensões da palavra, em suas acepções gramaticais e lógicas. Isolada, referir-se-ia à palavra morta. O papel de Nagato parece ser o do entendimento frio e lógico do texto. Tem a capacidade de organizar a narrativa, até de solucioná-la via dei ex machina em diversos momentos, mas se vê, no mais das vezes, no papel de observadora do desenvolvimento natural das premissas que se predicam a partir de Suzumiya e de Kyon, que são as verdadeiras estrelas, como encarnações de Altair e de Vega, como ficará claro mais à frente.
Eis a natureza íntima da série e de seu criador: Tanigawa, um franco-atirador do consumo de literatura sci-fi, não parece crer na fria disposição da consistência interna de um texto como a chave para a criação de uma narrativa perfeita. Ao contrário, parece relutantemente crer — relutância vista no "Desaparecimento de Haruhi Suzumiya" — no esplendor solar de Haruhi como o verdadeiro epicentro da verdade poética. Mas percebe-se que no encontro destas metáforas antropomórficas reside o verdadeiro propósito de sua investigação narrativa: o que há de humano, de espiritual e de maravilhoso no imediato. É este também o drama de Haruhi, assim como o de Nagato. O aparente desamor de Nagato Yuki vai sendo gradualmente vertido em humana melancolia, em drama irônico de identificação e sensibilização com todas as coisas, pois não é na irresolução de uma tirânica identidade solar, mas na suave e racional identificação narrativa com o mundo ao seu redor que pode achar cura para as dores. É no interesse cada vez mais humano pelas narrativas alheias que Nagato encontra seu tesouro interior.
Não é então seu papel narrativo o da personificação de um UFO, mas o de símbolo deste reino de possibilidades de dados e de contrafactuais, desse espelho mercurial que reflete as diversas fisionomias. Em um primeiro momento, a impossibilidade analógica torna o seu papel primordial o de um frio motor narrativo, do já mencionado deus ex machina. Há, porém, uma eventual sublimação dos dados armazenados e da memória, talvez por meio da repetição — como no oito infinito — às mesmas personagens, a um mesmo conjunto de naturezas humanas, discernível, cada vez mais definido e inteligível... E brota enfim o que há ali de mais verdadeiramente humano, como numa gradual transformação desse mercúrio alquímico. Surge aí a narrativa da melancolia, da neurose, do desespero irônico em viver um hipotético romance de inverno, em que o sol já não lhe transtorne com o brilho da aventura.
E também tem fim esta jornada. Cada um dos arcos de Suzumiya Haruhi funciona como corsi e ricorsi: a cada nova incursão, a cada nova imersão num mesmo conjunto de dramas, há um fortalecimento da natureza mesma destes dramas, um encorpamento do papel de cada membro do elenco. Os "atores", escolhidos a dedo por Haruhi Suzumiya, quase que como se tivesse vida própria e soubesse mais perfeitamente dos papéis a serem ali interpretados do que o próprio Tanigawa jamais seria capaz, têm como missão a mais desafiadora das aventuras: devem preencher o oco infinito no ventre de Haruhi, que só pode ser preenchido pela própria eternidade. E devem mostrar-lhe essa eternidade, cada um por vez e todos ao mesmo tempo, por meio do insistente desvelamento das maravilhas cotidianas.
III. Asahina Mikuru e a experiência estética do tempo
Asahina Mikuru é escolhida como mascote, garçonete, garota propaganda e experimento humano — para virtualmente qualquer papel que envolva uma fantasia — da "SOS Brigade". Argumenta Haruhi que, para que qualquer empresa tenha sucesso, precisa de algo que seduza a audiência, de um candy eye. E os argumentos param por aí. Asahina foi escolhida por sua incrível beleza, quase que feita sob medida para este fim. Após a submissão de longos e torturantes minutos de nosso tempo no testemunho das delirantes fantasias fetichistas que impõe Haruhi à pobre moça, descobre-se sua real identidade: trata-se de uma viajante no tempo, parte de ainda outra misteriosa facção que, além da Mente Suprema de Dados de Nagato e da Agência de Koizumi, quer interferir nos eventos da linha do tempo em que vive Suzumiya.
Não acho que análises esquemáticas tenham razão de ser pros propósitos da obra, uma vez que a maioria das explicações elucidativas que possamos dar sejam inteiramente poéticas. Mesmo assim, alguns alicerces simbólicos podem ser nos úteis nesta investigação. É impossível ignorar um certo aspecto libriano em Asahina, que age como serviçal do tempo (Saturno) pelas vias da conciliação (Vênus). Com efeito, ela de fato nasce sob o signo de Libra, dia 21 de outubro. Não é de todo ignorável este dado, como veremos a seguir.
A deliberação de elencar uma atriz pela sua beleza é lugar comum em toda a indústria cultural, a partir do momento em que a alegoria de Vênus tornou-se menos abstrata e mais corpórea. Este é o papel de Asahina, tanto dum ponto de vista metaficcional quanto diegético: tanto serve de guia no tempo quanto de conciliação dramática. Asahina encarna também as metáforas do tempo narrativo, mas de um tempo bergsoniano, que diz respeito à duração do tempo e à sua qualidade, e não à manipulação eficiente de suas estruturas, haja vista a enorme superioridade de Nagato para este fim. Em cada ocasião de recurso/retorno a um tempo qualitativamente fundamental do enredo, Asahina opera como um guia para Kyon, que se sente tremendamente atraído pela moça, ainda que de forma inofensiva. Os tempos narrativos em que Kyon se perde com Asahina são quase sempre nostálgicos, românticos, ainda mais se tivermos em mente a própria estrutura metonímica do drama que vivem na série: Kyon é sempre o cavaleiro que salva a princesa Asahina de todo o mal do mundo, papel que se acostuma a reencenar repetidas vezes, até que esteja apto a salvar a verdadeira princesa das garras da melancolia.
Pode-se concluir que o papel que Asahina exerce no psicodrama haruhista é o de símbolo do amor, da beleza e do romantismo suscitados na experiência de reencenação dramática de Kyon. Se Nagato encarna as estruturas lógicas das leis da realidade ficcional, Asahina personifica a experiência estética e o romantismo destas viagens, a natureza cíclica de eterno retorno que Kyon deve se dispor a tomar parte para que a princesa seja salva do castelo de sua alma. É a indução ao drama extrovertido no mythos de Haruhi.
IV. Koizumi e a Arquitetura Mental do Drama Introspectivo
O tropo do estudante transferido é o maior suscitador de mistérios em Haruhi, e mistérios são grandes suscitadores de tensões e estímulos narrativos. Também são a origem de um fascínio pelo indeterminado, que é uma outra maneira de dizer "fascínio pelo próprio mistério." Koizumi surge como mestre dos mistérios, assumindo papéis cênicos e dramatúrgicos cada vez mais extravagantes. É responsável por muitos dos plots que mantêm a mente e as emoções de Haruhi satisfeitas. Sua verdadeira identidade é a de um "esper", e o caráter arcano do personagem dá vida à metáfora literária da dimensão psicológica da narrativa. No mais das vezes, Koizumi é alguém correto e inofensivo, mas sugestivo de um excessus na realidade, de uma inquietação sutil e imprevisível quanto a terrores que podem abalar de vez a estrutura deste mundo.
Se Nagato representa a inteligência lógica do texto e Asahina o seu romantismo estético, Koizumi representa a psicologia, a arquitetura interior tanto de Suzumiya quanto da estrutura do universo, sendo ambos a mesma coisa sob um mesmo aspecto dentro das histórias que o têm como epicentro: o plot da ilha misteriosa é um exemplo claro desse tipo de narrativa, tendo como desfecho forçoso a invenção de uma solução otimista para o mistério, para que o imaginário de Suzumiya não seja inteiramente tomado por um deletério pessimismo. Koizumi tem uma interpretação antagônica à de Asahina no ínterim: enquanto a viajante no tempo crê que Haruhi influencia a realidade, mas que o mundo sempre existiu daquela forma, Koizumi crê em Suzumiya como o centro mesmo do universo, como uma entidade voluntarista que pode criar e destruir. Asahina simboliza o otimismo narrativo, e tem em Koizumi seu opositor. É de certa forma o maior devoto da deusa, tendo Nagato um interesse muito mais especulativo quanto ao papel de Suzumiya na ordem cósmica.
Assim sendo, Koizumi é a figura que dá vida aos mistérios mais sutis do subconsciente de Suzumiya. Há sempre algo de cênico e teatral em suas aparições, assim como algo de espacialmente assertivo em seu domínio, o que parece conduzí-lo ao papel de curador das imagens e dos fantasmas que assolam os estados anímicos de Suzumiya. Poder-se-ia fazer, ainda que de forma grosseira, a analogia tripartite entre Corpo, Alma e Espírito nas figuras de Asahina, Koizumi e Nagato, respectivamente. Mas os esquemas só nos servirão de guias para um propósito maior: o de entender o theatrum mundi que é criado a partir da reunião — ou mesmo criação? — do elenco.
Serve Koizumi então como o mediador do tom da narrativa: atentando-se constantemente aos estados psicológicos e anímicos de Suzumiya, visa uma mediação moderada entre as partes para que não haja rompimento do equilíbrio. Atua nos bastidores e organiza o espaço cênico com a harmonia entre as partes da alma sempre em mente.
V. Theatrum Mundi, Altair e Vega
I hold the world but as the world, Gratiano;
A stage where every man must play a part,
And mine a sad one.
— Act I, Scene I, The Merchant of Venice
O espírito da nobre e profunda cosmovisão que associa o mundo ao teatro é graciosamente revivido em Suzumiya Haruhi, tendo cada um de seus protagonistas uma função metaficcional crítica no exorcismo da melancolia de sua personagem-título. A narrativa de eterno retorno repete-se aqui sucessivas vezes: sejam nos engenhosos plots de Koizumi ou na criação de um filme que tem Haruhi como diretora e membros da SOS Brigade como atores, estamos sempre a reviver a experiência do psicodrama cósmico que busca resolver a tensão fundamental no coração de Haruhi. Estes papéis podem ser constantemente invertidos de acordo com o tempo cósmico, que sempre corresponde a determinada fase narrativa e a determinado estado de espírito, como no arco do Oito Infinito, em que os dias de verão se repetem milhares de vezes — algo como quinze mil quinhentos e trinta e dois vezes, para ser preciso — número que parece coincidentemente análogo ao tempo que levaria a viagem do desejo de Haruhi até Altair (dezesseis mil anos-luz), desejo que a heroína faz no dia do Tanabata — o encontro anual de Altair e Vega — pedindo à estrela que faça o mundo girar em torno da própria Haruhi. É exatamente a imanentização deste desejo que ocorre no verão: onde sua solaridade é mais forte, quase que em combustão, Haruhi faz com que o tempo gire em torno de si mesma. A única oposição a esse desejo é a autoafirmação de Vega, sua contraparte no céu, que é simbolizado na série pela ação de Kyon. Esta oposição só pode se fazer valer pelo outro desejo da protagonista: o de que a Terra gire na direção oposta. Kyon, ao finalmente admitir que não fez o dever de casa e exigir que toda a SOS Brigade se reúna com ele para a conclusão da tarefa, faz com que a Terra gire ao contrário, e faz assim com que Haruhi seja passageira e não o piloto por trás dos eventos, concluindo então o arco.
A solução cósmica para os heróis parece ser sempre catártica: tomando parte numa aventura incontrolável, aproximam-se da verdade de sua condição humana. Por meio da conformação individual com seus papéis fundamentais — como os elementos narrativos que simbolizam Asahina, Koizumi e Nagato — cada personagem pode achar seu drama fundamental, sua razão de ser. A cena em que Haruhi toca "God Knows" no festival de outono, dispondo-se inteiramente a ajudar uma banda desfalcada e a aprender a música para tocá-la e cantá-la em uma hora, talvez seja a mais icônica dum ponto de vista da catarse e do expurgo para a personagem, já que há ali uma plena participação e uma total rejeição ao controle. O filme de Haruhi é um desastre cômico, o hilário resultado de um completo descontrole na tentativa tirânica de criar algo perfeito, mas sua participação musical no festival é genuinamente graciosa e memorável, um estrondoso espetáculo animado, sem precedentes ou sucessores em toda a história da indústria.
Cada um dos heróis é capaz de entender-se no outro e na imagem inteligível do mundo pela via da catarse. A busca de Tanigawa pelo que há de mais essencial e humano nas narrativas, pela verdade poética, é refletida em alguma medida em todo o elenco principal. Kyon, que tem como papel cósmico o movimento diametralmente oposto ao de Haruhi, tendo Vega como seu motivo narrativo, o oposto de Altair, deve aprender os ensinamentos dos deuses (ou da "deusa") em sua ascensão e trazê-los de volta aos seus em sua descida — arco encenado com clareza no "Desaparecimento de Suzumiya". Traz então a capacidade de esplendor natural de Suzumiya para seu cotidiano; reflete esta mesma luz que obteve nas alturas sobre sua experiência mundana, sobre seus tesouros pessoais, sendo ele mesmo o agente que torna Suzumiya o que ela vem a ser, quando viaja no tempo no dia 7 de julho e diz-lhe que John Smith ainda encherá o mundo de aventuras e de esplendor. Exerce então Kyon o papel de poeta humano, de aprendiz dos deuses, do futuro sábio que supera a húbris e que dá a Suzumiya os contornos da verdade poética. Resgatando-lhe o esplendor infantil em sua viagem no tempo, enchendo-lhe de esperança quanto ao futuro, expõe a luz da deusa para ela mesma, fazendo com que intuitivamente perceba que não deve buscar seu tesouro por aí: já é dona dele, na medida em que se perceba no próximo. Faz-se necessário o divórcio da própria alienação e de sua incompreensão do mundo.
Altair e Vega são divididos no céu estrelado pela Via Láctea, pelo luminoso rio de possibilidades ascendentes, pelo leite primitivo, o primeiro e mais importante alimento do homem. Uma vez por ano, no dia 7 de julho, o Tanabata, também conhecido como Festival das Estrelas, celebra o momento miraculoso em que a união do casal é finalmente possível, encontrando-se a estrela real com a estrela plebeia. Atravessando o imenso abismo das individualidades hipotéticas, acham-se na atualidade possível. Na cosmovisão de Tanigawa, acertadamente, o tesouro não se esconde por trás da insaciável busca pelo esplendor, representada por Altair, mas na nobre propagação das verdades observáveis e contempláveis deste mundo que faz Vega. É no amor mundano sob a luz das estrelas que a aflita Suzumiya pode achar repouso, na desilusão da tirania e da solidão e no tenro encontro com a encantadora visão de sua identidade refletida sobre toda a criação. Eis a narrativa de amor do possível com o impossível.