A conclusão a que chega E. Michael Jones sobre o espírito da revolução na vida e obra de Nietzsche, filólogo, filósofo e ex-professor da Universidade da Basileia, é a de que o propósito último desta revolução, ainda que fundamentada na liberação sexual e no espírito de Baco, não é o da própria entrega ao espírito orgiástico, mas o da revolução social e da "libertação" do homem pelo mito do super-homem. Seu fim mesmo, segundo o dr. Jones no livro Dyonisus Rising, é o da resgatar o poder primitivo da escuridão em que habita o Eros da cosmologia Órfica, poder este que consiste no apelo à matrilinearidade de Nix, a selvagem lunaridade e afrontosa melancolia das eras, para que traga enfim o crepúsculo do qual se vale Cronos em seu ataque sorrateiro a Urano. Nas dinâmicas entre Eros e Psiquê, conclui-se, gostaria o revoltoso discípulo de Richard Wagner que a escuridão e o ocaso do primeiro preterissem a solaridade e a ascensão da aurora do segundo.
Atribuindo a soberania e a suma às sombras dos tempos, ao negrume de Saturno — utilizando-se de uma série de falácias genealógicas para tal — Nietzsche, que apesar de suas andanças em prostíbulos e da contração voluntária de doenças venéreas, pouco experienciou ele mesmo de uma plena liberdade sexual, determinou que a manifestação última do dionisíaco em si não se daria pelo próprio sexo, mas pelo poder de escravizar os homens com a ilusão da liberdade no desejo — uma contradição de termos. Neste sentido, poder-se-ia dizer que fora Nietzsche um legítimo antecessor do espírito da Era de Aquário, um protótipo de maestro saturnino que 'congela' e 'descongela' as almas dos homens, como faz Dioniso na peça de Eurípides, As Bacantes. Pela tentação do poder, esta figura saturnina que carrega consigo o espírito do indeterminado é capaz de manipular os homens sem que estes se deem conta das forças ocultas atrás de si, utilizando-se para este intento de imagens e símbolos corruptos, que contém neles mesmos premissas ocultas: a liberdade sexual que promete Baco é, na verdade, a escravidão e a servidão à noite e ao abismo. Haja vista os frutos de sua filosofia, é seguro dizer que teve êxito apoteótico o projeto de escravização e de putrefação dos homens sob o disfarce da libertação, do prazer e da alegria. Utiliza-se então Nietzsche, desta maneira, da força de Dionísio para inverter os símbolos e atribuir bem ao mal e liberdade à escravidão.
Para Guénon, que aborda o tema de forma preliminar — tema ainda hoje não suficientemente desenvolvido — no Le Règne de la Quantité et les Signes des Temps, toda inversão do simbolismo é um caso de satanismo. É óbvia a analogia e a razão de tal conclusão: a inversão do simbolismo pressupõe, em última instância, uma inversão hierárquica, uma expressão contundente da ilegitimidade e da insubordinação que visa a deformação das bases fundamentais da estrutura da realidade. Se Saturno se sentasse no trono solar — tensão antagônica evidenciada no eixo narrativo de oposição entre Leão e Aquário — conceder-se-ia à matéria, ao fatalismo e à contração o papel primaz da ordem cósmica, sem que haja relação natural entre a alma e o corpo de que se fala. Em outras palavras: seria como pilotar a carruagem do Sol com a alma de Hades, cujo intento último é o de coleta das almas e cujo ofício é o da jurisdição dos mistérios e da morte. Mas não pode a sombra irradiar luz, ainda que seja seu oposto complementar. Não poderia então igualar-se uma ilusão à realidade, pois não são da mesma essência. É da natureza do real o movimento cujo destino é seu propósito último: é da natureza da ilusão a estagnação, ainda que pareça se movimentar, pois o movimento de um sistema controlado é o de um vai e vem, de uma repetição cíclica de gratificações imediatas que acompanham as oscilações do tédio. E por não partilharem de um mesmo fim, não se predicam do mesmo princípio, haja vista que a realidade é fruto da criação de Deus e a ilusão é criada pelo demônio.
Trata-se então a ilusão de uma manifestação da inversão do simbolismo. Não pode um ato antinatural desvelar uma verdade natural, pois não há nada de antinatural por detrás da natureza. Ao contrário do que sugere Nietzsche em sua deformada interpretação de Édipo, não poderia a natureza revelar seus segredos se fosse ela violada pela ação antinatural do homem. O mito de Édipo não expressa a vitória do antinatural sobre o natural, mas a incompreensão profunda e concreta de sua própria biografia, de sua gens e, portanto, de uma parcela fundamental daquilo que o constitui. Para Nietzsche, o aguilhão que perfura a natureza (o incesto cometido por Édipo e o assassinato de seu pai) é também apontado para o próprio homem, pois o que há de natural nele também deve ser destruído. Mas não há nada de antinatural por detrás da natureza, apenas da ilusão, que é o que verdadeiramente se quebra em Édipo ao descobrir a verdade por trás de sua biografia. Toda ilusão, portanto, contém em si a espada que pode e deve perfurá-la, e é disso que trata o mito da Espada de Dâmocles, narrado por Cícero no capítulo V das Tusculanae Disputationes.
O mito de Dâmocles conta a história do tirano Dionísio I, de Siracusa, que governou entre o século V e o século IV a.C., um tirano verdadeiramente dionisíaco, sendo ele mesmo um homem encantador, capaz, mas também injusto e pérfido. Tendo intenções corruptas de governança, cria uma ilusão "perfeita" em torno de si: dorme numa cama acessível apenas por uma ponte, afastada do palácio; não governa de um púlpito ou de um altar, mas sobre o topo de uma grande Torre — o corpo antinatural do Tarot —, não confia nem sua cabeça nem sua garganta ao barbeiro, mas somente às suas escravizadas filhas, e delega todo o trabalho aos escravos que fabrica, muitas vezes tirados de outras famílias nobres, ou a estranhos e bárbaros continuamente vigiados. Nada na vida de Dionísio ocorre de forma natural, e toda a aparente perfeição de seu reino é fundamentada numa contínua tensão e num tortuoso desacordo em sua alma. Tal tensão é exposta de forma claríssima quando Dâmocles, um de seus bajuladores e prováveis confidentes amorosos (à moda 'grega', nas palavras de Cícero) expressa grande inveja da "felicidade" de que goza Dionísio. Ofertando-lhe um dia de governo para que experimente tal gozo, vê Dâmocles encantado com tamanha abundância e fertilidade, até que vê pendurada sobre si uma brilhante espada, pendurada por um único fio da crina de um cavalo. Dionísio, ao pôr Dâmocles em seu lugar, que prontamente abdica do poder e do trono naquele momento, expõe, pela catarse do teatro, a verdade da farsa em que vive: que jamais deveria um palácio (ou um castelo, simbolicamente) ser vertido em prisão; que a felicidade incondicional é, na verdade, a infelicidade voluntária. Que a liberdade em que vive é, na verdade, a mais profunda escravidão, e que a espada que devia atacar seus inimigos e defender-lhe, vive apontada para si.
A detenção do indeterminado e a superação do homem pelo super-homem que propõe Nietzsche, conclui-se, é uma inversão do simbolismo, um caso de satanismo, pois não pode viver uma indeterminação num corpo e alma determinados, nem conviver o antinatural com o natural, muito menos governá-lo. A corrupção da natureza é a corrupção da origem e do propósito, dos quais não se pode desligar, e é nesta impiedosa sátira, nesta diabólica tentação que subsistem a natureza do dionisíaco e todos os meios de ação da injustiça, das ilusões, do controle e das manipulações que tão "naturalmente" repousam em nossas vidas e em nosso tempo.