quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Billy Bat é Metalinguagem e Meta-história

Billy Bat é um mangá que suscitará muitas postagens neste blog.

Kevin Yamagata e Kevin Goodman podem ser vistos como alter egos de Naoki Urasawa em pontos distintos de sua maturidade poética. Essa me parece ser uma hipótese razoável. Kevin Yamagata é sua raíz criativa primeira, a psicologia profunda do japonês nas raízes da cultura popular. Imagino Urasawa, ao escrever a história do Morcego, dando-se conta de que essa imagem de uma entidade que opera como uma figura mefistotélica tem tanto uma raíz na psicologia profunda dos japoneses (e refiro-me aqui tanto ao imaginário evocado pelos ninjas quanto à toda lunaridade no modo de agir dos japoneses, que imitam, copiam e transpõem ideias estrangeiras à sua maneira, na maioria das vezes embelezadas, plasticamente aperfeiçoadas e de maneira perfeitamente ignorante quanto às suas origens) quanto consequências históricas.

Acredito que o tempo fictício da criação e ascensão do Billy Bat de Kevin Yamagata ser mais ou menos concomitante com o começo da ascensão de Tezuka seja parte de sua meditação e confissão como um artista japonês e soberbo. As ideias de um artista surgem, em um primeiro momento, essencialmente de seu horizonte de consciência, a saber, sua história, sua comunidade, sua pátria e tudo aquilo que lhe é caro e familiar. Kevin Yamagata percebe a partir de então que talvez tenha roubado sua ideia inconscientemente de outro autor de mangá, e Urasawa transforma aqui essa meditação individual em um psicodrama de proporções históricas. Mas esse é um método de máxima dificuldade narrativa, o qual me remete inevitavelmente ao El Libro de Arena do Jorge Luís Borges, que funciona como um tell-tale, como um compêndio de narrativas que são simultaneamente hipóteses e confissões pessoais, nos quais cada hipótese simboliza algo da psicologia profunda do autor. 

A narrativa histórica criada por Urasawa é repleta de inserções deliberadas de japoneses que influenciam marginalmente os rumos da história, mas quase sempre a efeito de fumaça no grande esquema das coisas. Entretanto, tais figuras são capazes de influenciar o desfecho pessoal de muitas personagens com grande impacto. Embora Urasawa tome pra si (e para o Japão) os louros da genialidade, admite simultaneamente que a influência do gênio tem uma via de mão dupla. Parte dessa criação tem efeito imprevisível e devastador. A partir do momento em que uma ideia é lançada para o mundo, essa ideia será manobrada e manipulada por seu espírito, e contribuirá para o avanço implacável da narrativa histórica até seu inevitável desfecho cíclico. Mas a outra parte dessa criação pertence à humanidade. Então um homem qualquer, seja ele um miserável do interior da Bahia ou um indigente da Alemanha Oriental, pode abrir um quadrinho, lê-lo e ser influenciado positivamente pela riqueza de possibilidades que são geradas pelo reino da poética e da fantasia. Muito embora a narrativa histórica pertença aos vencedores, aos que coagulam as grandes ambições e que cumprem os papéis que a machina fatalis lhes designa, existe ainda uma vasta porção de terra inabitada que pode servir de moradia aos que vivem a plenitude de suas vidas em devoção ao ato, ao pensamento, às ações e às produções do tempo, que não almejam a grandeza da história ou o êxtase do teatro do mundo, mas sim a plenitude da eternidade. 

Kevin Goodman me parece ser um momento de amadurecimento da relação vaidosa entre o artista e sua identidade, mas isso fica pra um outro post.

Billy Bat é metalinguagem e meta-história. É metalinguagem de artista e meta-história das gentes.

Billy Bat é Metalinguagem e Meta-história

Billy Bat é um mangá que suscitará muitas postagens neste blog. Kevin Yamagata e Kevin Goodman podem ser vistos como alter egos de Naoki Ura...